Ismael Nery foi não só artista como homem de vanguarda: desenhista, pintor e arquiteto, filósofo e poeta, teve uma vida breve e intensa, entremeada de acontecimentos trágicos que marcariam profundamente sua obra: perdeu o pai aos 9 anos e o irmão aos 18, fatos que transformaram sua mãe em uma figura perturbada.
Nery Sempre se auto-nomeou filósofo devido ao seu modo de pensar e pintar suas obras, pois para ele era muito mais do que apenas pintar, era expressar a realidade, sua modalidade de pintura era somente de pintar pessoas em seus cotidianos, e isso foi o que destacou o artista dos outros de sua época. Reunia em torno de si artistas e intelectuais ilustres, como o poeta Murilo Mendes, o pintor Guignard e o crítico Mário Pedrosa, atraídos pelo magnetismo de sua personalidade. Um dos precursores da arte moderna no Rio de Janeiro, Ismael Nery foi influenciado pelo cubismo e o surrealismo, mas a temática era uma só: a busca da identidade.
Veja um de seus depoimentos poéticos:
“O silêncio provocou-me uma necessidade irreprimível de correr. Abalei como flecha através dos mares e montanhas com incrível facilidade e sem cansaço. Eis-me agora sentado diante de uma paisagem em formação, ainda não colorida. O meu pensamento agora é que percorre o que acabei de percorrer, e admiro-me, então, de nada ter encontrado, senão ao chegar ao rastro fosforescente que deixei ao partir. Os mares são agora ridículos lençóis d’água, de uns três ou quatro palmos de profundidade. As montanhas são nuvens estáticas, que o eterno medo dos homens transformará em granito. Tudo é pavorosamente desabitado. Não há leões nem elefantes nos desertos da África. Não existem as pirâmides nem a Torre Eiffel. Existe apenas eu mesmo, que me percebo inversamente por uma idéia que chamo mulher e que paira rarefeita sobre a superfície do globo – idéia incompreensível porque nada existe na terra além de mim mesmo. Volto a percorrer novamente o espaço, porém, desta vez, com a lentidão do crescimento das plantas, multiplicando-me progressivamente na minha idéia para mostrar-me a mim mesmo. Os mares, agora, são profundos e as montanhas se solidificaram. Aparecem leões e elefantes nos desertos da África. Construíram as pirâmides no Egito e levantaram a Torre Eiffel, em Paris, no ano em que um outro eu nascia em Belém do Pará. Tudo se povoou transbordantemente. Acho-me agora sentado na prisão, olhando sereno através das grades, aguardando o julgamento do crime nefando que cometi de usar a mim mesmo, na minha mãe, mulher, filha, neta, bisneta, tataraneta, nora e cunhada. Voltarei, ainda uma vez, para ser o meu próprio Juiz. Nada existe, além de mim mesmo, senão para mim. Silêncio”.
LG
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